quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

A era da segregação nos festivais

  A partir da realização do primeiro Rock in Rio em 1985, o Brasil se tornou uma grande potência em festivais. Isso é fato. Desde então, festivais como Hollywood Rock, Free Jazz, Tim Festival, Skol Beats e muitos outros com a marca do patrocinador a frente do nome ou do estilo fizeram com que o país se consolidasse no circuito de festivais mundiais, e muitos  artistas – grandes, médios e pequenos – querem vir ao Brasil participar dessa festa, por vários motivos. Além de ocuparmos uma situação de destaque para qualquer turista internacional, o Brasil deixou uma profunda marca na música mundial que faz com que qualquer músico do mundo queira conhecer de perto a terra do Samba, Bossa Nova e Tropicália, ou do Sepultura, CSS e do Funk Carioca.

    No entanto, existe um outro fator curioso nesse interesse em estar nos line-ups dos festivais brasileiros que é o cachê quase sempre acima da média. O verdadeiro motivo disso eu não sei, mas o Brasil se tornou famoso por pagar um cachê com valor muito acima dos outros festivais mundiais, e nos últimos anos essa conta tem sido repassada ao público da forma mais absurda e descriminatória possivel, sob o curioso nome de "Pista VIP". Esse setor, que oferece uma posição extremamente privilegiada em relação ao palco, custa em média três vezes mais que o ingresso comum - que já é absurdamente muito caro. Em certos casos esse ingresso VIP dá direito a comida e bebida "de graça", quase sempre em setores do festival onde se quer é possível assistir ao show. Mesmo assim, o espaço está sempre lotado. Ou seja, quem está ali ocupando o espaço do verdadeiro fã é quase sempre um playboy qualquer que nem sabe quem está no palco. Está lá apenas para ver e ser visto. Há muito tempo não frequento esse tipo de festival pois sou absolutamente contra essa prática e não me sinto bem compactuando com isso tudo. Oque me motivou a escrever esse texto foi por constatar vários desses absurdos comuns nos festivais brasileiros em nossa última participação em um festival desse porte.



   Nós do Instituto ficamos muito honrados com o convite para fazer parte do line up do festival Summer Soul. Sou grande fã do trabalho do Mayer Hawthorne e da Janelle Monae, e apesar de ser contra essa política de grandes festivais, já estava há algum tempo querendo desenvolver um repertório com base no soul brasileiro da década de 70 - que é um tanto menosprezado no Brasil, porém idolatrado por artistas e DJs no exterior. Achei que seria uma ótima oportunidade e durante um mês, fiz uma pesquisa de repertório, escrevi arranjos, ensaiamos com uma banda com 12 músicos e convidei cinco artistas para participar do show: Kamau, Emicida, Céu, Thalma de Freitas e Carlos Dafé. Deu um puta trampo, mas fiquei muito satisfeito com o resultado.

   Pouco antes de subir ao palco, recebi a notícia da produção que o show que estava acontecendo antes do nosso (dos queridos André Frateschi e Miranda Kassin) teria 10 minutos a mais do que constava no cronograma. Fiquei muito feliz em perceber que estavam dando mais espaço para as bandas de abertura, coisa muito rara em grandes festivais. Só que pra minha surpresa, logo no início do show do Instituto fui informado já no palco que o nosso show teria que ser menor que o combinado, e não entendi absolutamente nada! Fui extremamente cuidadoso com o nosso repertório para que fosse possível contar com a participação de todos aqueles artistas que eu convidei para o show. Quando me passaram essa informação, entrei em pânico e fiquei completamente transtornado. A falta de noção persistiu ao longo de todo show, com a produção do festival me alertando que eu teria que sair do palco, caso contrário eles cortariam o som. O pesadelo do comportamento padrão de grandes festivais brasileiros se tornava realidade. Bom, quem me conhece sabe que esse tipo de ameaça comigo não cola. Fomos firmes emendando uma música na outra e fizemos nosso repertório completo, extrapolando apenas 2 minutos do que havia sido combinado inicialmente.

   O fato é que no fim, o show foi ótimo pra todo mundo, mas pra mim, como diretor, músico e arranjador foi um desastre. Me senti muito desrespeitado e a preocupação com esse desrespeito comprometeu (e muito) a minha performance. Não toquei direito e muito menos consegui conduzir o show da forma que eu queria. Vi todo aquele trabalho sendo tratado de forma completamente antiprofissional e fiquei muito triste. Triste não, fiquei foi muito puto! Xinguei, chutei, gritei, chorei... perdi a razão.

  E como se não bastasse, no fim do show do Mayer Hawthorne eu estava a caminho do camarim quando vi um segurança carregando violentamente um amigo meu pelo pescoço por ele ter entrado sem pagar numa brecha de abertura do portão lateral. O maluco não tem R$200, é louco por música e tava na porta do festival há horas tentando entrar. É claro que o cara tava todo errado, mas eu não consigo ver algo do tipo acontecendo com um amigo meu e não intervir. Corri pro segurança mostrando minha credencial, me apresentando como músico do festival e pedindo para ele ter calma pois o cara era meu amigo. Foi quando o brutamontes me empurrou, e eu que não tenho sangue de barata o empurrei de volta. Depois de um enorme bate-boca, tive muita sorte de não ter sido seriamente agredido pois o cara chegou ao absurdo de pegar um desses cones de trânsito pra jogar em mim. O ignorante é membro da "Fonseca's Gang", empresa contratada para a segurança do festival. Quem tem mais de 30 anos e costumava ir em shows nos anos 80 e 90 com certeza já tremeu ao ouvir esse nome. Os caras são famosos a muitos anos por serem extremamente prepotentes e truculentos. Lamentável...

  Enquanto assistia ao incrível show da Janelle Monae ficou muito claro pra mim o tamanho do absurdo que era aquela barreira de proteção dividindo a pista comum da pista VIP. A impressão que eu tive era que aquilo separava os verdadeiros fãs dos desavizados, os amantes da música do pessoal da "azaração". Na pista VIP, pouquíssimos aplausos. Na comum, uma gritaria insana. E o mais bizarro foi adentrar à area "super ultra vip golden plus" (ou qualquer merda do gênero), onde por meros R$700 você tinha direito a comes, bebes e muita badalação. Era visível a falta de interesse dos playboys, patricinhas, gente da moda e celebridades ali presentes e o lugar mais parecia uma mistura de feira de eletrodomésticos com festa de fim de ano de empresa metida a descolada. Inacreditável!

  Música é a minha vida. Fazer música seguindo meus próprios padrões de qualidade é quase uma missão pra mim. Não faço nada pela metade e quando esse tipo de absurdo acontece, fico péssimo por dias. Me faz mal de verdade. Sei que publicando esse texto, posso estar dando adeus à minha presença nesse tipo de festival, mas sinceramente, nem sei se eu quero mais fazer parte disso. Me sinto mil vezes mais satisfeito subindo ao palco do SESC, ou fazendo na raça minhas noites no Studio SP, onde sei que serei respeitado pela produção e todos na platéia estarão ali principalmente pela música. Existem vários festivais independentes no Brasil que tratam o artista e o público com muito respeito. Acho que pertenço mais a esse universo. 

  Ah! Teve também o show da Amy Winehouse, né? Essa sofre da "síndrome de Kurt Cobain". O show dela me lembrou o Nirvana no Hollywood Rock, em 93. É nítido que ela não vê sentido pra todo esse alvoroço acontecendo em torno de tudo que faz, e trata a situação com descaso e muito despreparo. Pense bem: uma cantora de 27 anos de idade estourada no mundo todo. Todo o talento dela como intérprete e compositora sendo banalizado em função de problemas com drogas e álcool, recebendo mais aplauso quando dá um gole numa bebida ou coça o nariz do que quando canta. Não deve ser fácil lidar com tamanha babaquice. Pro Kurt, com certeza não foi... Mas o show não foi todo esse desastre que a mídia fez questão de enfatizar. A banda realmente não era muito expressiva, mas ela (quando cantava no microfone) cantou direitinho. A impressão que eu tive é que a grande maioria dos jornalistas já sabia oque iria publicar antes mesmo de ver o show.

 Aqui vão algumas lindas fotos do nosso show feitas por Caroline Bittencourt. Apesar de tudo isso, foi um momento mágico por estar fazendo música sincera com meus grandes amigos e agradeço a todos que compareceram e prestigiaram. 











E digo mais...

   Nunca tive blog, orkut ou fotolog mas nos últimos tempos, tenho dedicado parte do meu tempo em atualizações de Facebook e Twitter com a intenção de divulgar meus trabalhos e projetos em andamento. Acredito que essa seja uma forma muito direta de atingir o público e com certeza, tudo isso foi um divisor de águas pra organização e divulgação na cena independente mundial.

   Como Facebook e Twitter são ferramentas muito limitadas em termos de espaço - e eu sou um sujeito que gosta de falar pra cacete - não aguentei. Tô aprendendo agora a mexer nesse troço portanto, me desculpem a tosqueira. Já já melhora e eu prometo que não vou só ficar reclamando e pagando esporro. Pretendo fazer desse blog uma base de divulgação dos meus projetos e de outras coisas legais, interessantes e relevantes. Escolhi o nome "Seleta Coletiva" por ser o meu principal projeto em termos de dedicação nesse momento.

   Por hora, obrigado e muita paz.